Este trabalho é uma análise de obras autobiográficas de indivíduos que tiveram uma experiência traumática com a realidade, vivenciada nas instituições carcerárias do Brasil contemporâneo (1970-2000). Há nestas narrativas, enquanto exercícios de rememoração, uma grande riqueza que nos permite compreender a trajetória social de indivíduos que sofreram a experiência – única – do trauma. O encarceramento como o centro de suas vidas, o evento que no bem e no mal marcou toda a sua existência. Esse novo modo de fazer literatura – que pode ser chamado de literatura carcerária e/ ou das prisões – emerge nos anos 1980, ganhando visibilidade principalmente no início dos anos 1990. Atualmente, vem tendo êxito no mercado editorial, despertando e dividindo o interesse da crítica cultural pelo tema. Portadoras de um teor testemunhal – como as obras de escritores que tratam da experiência judaica nos campos de concentração (Lagers) durante a II Guerra Mundial, e de escritores latino-americanos que narram a violência sofrida durante as ditaduras nos anos 1950/60/70 –, tais autobiografias são, antes de tudo, o testemunho do Sobrevivente da Era da Catástrofe, como pode ser resumido o breve século XX.
Pablo Augusto Silva apresenta neste trabalho – que em parte é uma oficina a céu aberto, que explicita ao leitor seus percursos e a construção de sua leitura – um modo muito convincente de enfrentar estas dificuldades impostas pelo objeto elegido. Ele não hesitou diante do desafio de estabelecer relações entre saberes de diferentes áreas como a história, a sociologia, a psicanálise e a teoria literária. Um esforço que, em si, já justificaria a leitura desta obra. A sua metodologia, construída em diálogo com estas áreas, mostra em que medida se pode praticar de modo sério e com muito proveito esse exercício de circulação entre as disciplinas.
Da apresentação de Márcio Seligmann-Silva
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