24/03/2015
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Créditos: Arte/CT

Heráclito Fortes pediu intervenção dos Estados Unidos no Brasil
Interferência norte-americana na política brasileira não foi, e pode não ser novamente, uma teoria
Autor: Fábio Sérvio - Especial para o Capital Teresina
O que parecia mais uma teoria da conspiração agora
ganha força como fato plausível: Washington pode estar movimentando sua
inteligência para desestabilizar governos da América Latina, inclusive o
do Brasil. O risco de ser taxado de alienado faz com que poucos abordem
o assunto. Porém, aos poucos, parte da mídia observa a hipótese de que o
governo dos Estados Unidos considera a presença do PT no Palácio do
Planalto uma ameaça geopolítica.
Aliada histórica dos EUA, a direita brasileira já usou do mesmo
expediente no passado. E com uma atuação semelhante. O maior símbolo
empresarial brasileiro, a Petrobras, por exemplo, foi alvo de uma
campanha difamatória que misturou Comissões Parlamentares de Inquérito
com acusações de que a estatal servia aos interesses comunistas.
Pesquisamos as edições de 1960 a 1964 dos jornais A Noite, Jornal do
Brasil, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário do Paraná, Folha de
São Paulo, O Globo, Última Hora e Tribuna da Imprensa e foi
encontrado um cenário político semelhante ao que vivemos atualmente.
Notícias de crise econômica, a proximidade com a Rússia, China e países
da América Latina e, não por acaso, denúncias de corrupção na Petrobras.
O levantamento demonstrou que o papel exercido por parte da imprensa, a
atuação da embaixada americana no Brasil e as movimentações da direita
brasileira em 1964 tem uma verossimilhança com fatos que ocorrem
atualmente no Brasil.
Escândalos na Petrobras serviram para desestabilizar João Goulart
Antes do Golpe de 64, em 1961, uma CPI investigou supostas
irregularidades na construção de refinarias da empresa. Era presidida
pelo então deputado federal Antônio Carlos Magalhães que pertencia aos
quadros da UDN. A investigação em cima da estatal brasileira de petróleo
durou cerca de três anos. Suficiente para manter o discurso da direita
contra Jango ocupando páginas dos jornais e noticiários de rádio.
O fato, além de revelar que a corrupção naquela empresa não começou
nos dias atuais, demonstra algo ainda mais emblemático: atacar a
Petrobras desestabiliza o governo federal.
Símbolo do nacionalismo, mergulhar a
maior empresa brasileira em escândalos torna a opinião pública
suscetível ao sentimento de corrupção generalizada. No passado,
funcionou como um dos ingredientes para desestruturar o governo de João
Goulart, presidente que assumiu o mandado após a renúncia de Jânio
Quadros, e que fora deposto em 1964 após uma intensa onda de
desarticulação política que envolveu o Congresso Nacional, manifestações
nas ruas, uma campanha de combate à corrupção e discursos
anti-comunistas.
Um relatório da CPI foi divulgado às vésperas do Golpe de 64,
precisamente um mês antes, e de forma incompleta. Foi mais um motivo
para justificar o próprio golpe.
Após a instalação do regime militar, o assunto praticamente desapareceu das páginas dos jornais.

1964: intervencão americana não era teoria conspiratória
Dentro do processo de tornar
público arquivos secretos americanos decorridos 50 anos dos fatos que
geraram os documentos, recentemente, o governo dos EUA disponibilizou
gravações e informações sobre o período que antecedeu o golpe de 1964 no
Brasil. Os documentos comprovaram o que, até a sua divulgação, era
tratado no Brasil como teoria conspiratória: o golpe militar de 1964
teve participação e apoio direto do governo norte-americano.
João Goulart, que não viveu para ver a publicação das informações,
morreu sem acreditar que houve uma intervenção deliberada dos EUA.
Em uma entrevista publicada no começo deste ano, até então inédita,
concedida ao jornalista norte-americano John Foster, em 1967, Goulart
disse: "sob John Kennedy, os Estados Unidos recuperaram sua perspectiva
positiva da América Latina. Os Estados Unidos tiveram então uma política
correta, uma que estava em comunhão com o povo. Kennedy era favorável à
autonomia dos governos da América e era a favor dos benefícios sociais
para a população."
A história provou que Goulart estava errado. Em 7 de outubro de 1963,
Kennedy esteve reunido com Lindon Gordon, embaixador americano no
Brasil na época, que sugeriu ao então presidente americano que o golpe
militar era uma opção para se resolver a crise política brasileira.

Gordon revelou haver dois planos: “Goulart abandona a imagem [de
esquerdista] e resolve pacificamente. Ou talvez não tão pacífico: ele
pode ser tirado involuntariamente”.
Dois meses antes, em agosto de 1963, a Embaixada dos EUA no Brasil
encaminhou um telegrama ao Departamento de Estado em Washington. O
documento levava a seguinte afirmação de Lindon Gordon: “é quase certo
que Goulart fará tudo para instituir alguma forma de regime
autoritário”. Documentos do Wikileaks vazados em 2011 revelaram que a
Embaixada Americana continua a enviar informações sobre o governo
brasileiro aos Estados Unidos.
Em 2007, Heráclito Fortes pediu intervenção dos EUA no Brasil
Um dos políticos que já colaborou secretamente com o governo dos EUA é ninguém menos que o atual deputado federal pelo PSB e ex-senador piauiense pelo PFL, Heráclito de Sousa Fortes. Em documento secreto da Embaixada Americana datado de 13 de novembro de 2007 e enviado à CIA (serviço de inteligência norte-americano), NSA (Agência de Segurança Nacional) dos EUA e
ao Departamento de Energia dos Estados Unidos, o então senador, que era
presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do
Senado, repassou informações sigilosas para Washington e instigou uma
ação de intervenção mais dura no Brasil. "Vocês são crianças: você
ignora o problema demoradamente e então é tarde demais", disse Heráclito
de uma forma tão enfática que essa parte do relatório recebeu do
embaixador Sobel o título de "You are Children" - Vocês são crianças.

Pelo relato, Heráclito ligou para
Clifford no dia cinco de novembro de 2007 e pediu um encontro urgente
para tratar de uma questão "que não poderia ser discutida no telefone".
Fortes encontrou com o embaixador naquele mesmo dia a tarde e o encontro
continou na manhã seguinte.
O relatório tem uma seção denominada "ligando os pontos" em que há um
resumo do que disse Heráclito Fortes. O relato é complexo, mas versa
sobre compra de armas russas, esquerdismo venezuelano, boliviano e
peruano, e o fato de a diplomacia venezuelana com o Brasil se tornar
cada vez mais comercial, levando grandes empresas brasileiras para
aquele país, o que, segundo Heráclito, favoreceria o que ele chamou de
"causas populistas no Brasil".
Em resumo, Heráclito demonstrou "sinais preocupantes" de que o Brasil
se aproximava da Rússia, do Irã, da Venezuela, aumentando a influência
desses países na região, "mutuamente se reforçando". O embaixador
Clifford comunicou que "as preocupações de Fortes estão paralelas com
relatórios elaborados que apontam a compra de armas pela Venezuela", "a
falta de defesa brasileira moderna", "o aumento de diplomatas
venezuelanos no Brasil e o financiamento de círculos bolivarianos e
organizações populistas".
O documento classificado como secreto foi encaminhado à CIA e ao NSC
(Conselho de Segurança Nacional) dos EUA. Quatro anos depois do diálogo
entre o embaixador Clifford Sodel e Heráclito Fortes, o mundo descobriu
que a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras eram alvos da espionagem
norte-americana. O monitoramento de ligações e correspondências de parte
do governo federal e da estatal brasileira do Petróleo era feito pela
NSA, dos EUA.

Nome de Heráclito Fortes aparece em outros documentos secreto
Em outro relatório de Cliffor Sodel aos EUA, Heráclito Fortes surge
com declarações sobre a formação de um bloco anti-América entre países
latino-americanos. Nas palavras do embaixador: "O diplomata iraniano faz
lobbyin para o Brasil participar de um bloco anti-América, o que na
opinião de Fortes já inclui Bolívia, Equador e Venezuela. O Sheik-Attar
[diplomata iraniano] disse a Fortes que ele também estava falando com a
Argentina sobre o bloco". O documento, classificado como secreto, é
datado de 18 de abril de 2008. Está identificado como 08Brasilia526 no
Wikileaks.
Declarações de Heráclito podem ter sido o estopim para mudanças diplomáticas dos EUA
As declarações de Heráclito Fortes, devido ao cargo que ele ocupava, o
de presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do
Senado, tinham peso suficiente para serem consideradas por Washington.
Dois anos depois do primeiro diálogo entre Heráclito e Clifford, os
Estados Unidos começavam a modificar sua política internacional com
relação a Venezuela. Argentina, assim como o Brasil, passa por uma grave
crise na sua economia e política.
As relações EUA e Rússia ficaram estremecidas e atingem agora um dos
piores momentos da história. Em comum, o fato de todos estes países que
foram citados por Heráclito acabarem, de uma certa forma, alvos dos EUA.

Para cientista político, governo do PT tem contrariado interesses americanos
O cientista político e historiador Luiz Moniz Bandeira declarou
recentemente que os EUA tem interesse em desestabilizar o governo do
Partido dos Trabalhadores do Brasil. "Não se trata de uma questão
ideológica, mas de governos que não se submetem às diretrizes de
Washington", disse Moniz. Para ele, Lula e Dilma contrariaram interesses
econômicos daquele país. "A presidenta Dilma Rousseff denunciou na ONU a
espionagem da NSA, não comprou os aviões-caça dos EUA, mas da Suécia,
não entregou o pré-sal às petrolíferas americanas e não se alinhou com
os Estados Unidos em outras questões de política internacional, entre as
quais a dos países da América Latina", declarou em recente entrevista.
Lula e Dilma exercem, na política, um papel semelhante ao que era
pretendido por Goulart. São aliados à esquerda, a movimentos populares e
foram responsáveis por reformas de base que Jango não conseguiu
realizar.

Na década de 60, as informações do Embaixador Americano no Brasil
serviram para os EUA traçarem sua intervenção no Brasil e foram
utilizadas para derrubar João Goulart. Jango era muito próximo da
esquerda, alinhado demais com a Rússia e a China e abria caminho para um
fortalecimento da América Latina.
Como hoje, o Brasil daquele período era a locomotiva que liderava e
impulsionava os países latino-americanos. O petróleo era um dos focos
das disputas geopolíticas, assim como a abertura de novos mercados
econômicos.
Não por coincidência os elementos presentes nas informações graciosas
fornecidas por Heráclito Fortes são os mesmos da década de 60:
petróleo, esquerdismo, relações com a Rússia e China, o temor de
governos democráticos populares e o fortalecimento do Brasil e dos
países da americana latina. Se o governo dos EUA está, novamente,
manipulando a atual conjuntura política do Brasil, Whashington não dirá.
Apenas o tempo vai dizer, daqui a 50 anos.